O Coringa, O Corvo e Israel

O coringa, o corvo e Israel.


Há algo estranho nas pautas das redações por todo o mundo. Um cheiro de pólvora e de sangue parece insistir em tomar a agenda desta gente confusa. No meio do mundo, no chamado Oriente Médio acontece mais um confronto daqueles que nós, pobres e medíocres viventes do ocidente, não entendemos absolutamente nada. Teólogos, historiadores, cientistas políticos e escritores entusiastas de artigos acorrem à Faixa de Gaza para derramar sobre Israel sua zombaria, chamando os israelenses de covardes. De repente, o mundo todo decidiu passar ao lado do Hamas, alegando que a ofensiva de Israel é excessiva. Entendo perfeitamente que nós, do Ocidente, não tenhamos mais nada para nos preocupar e, num momento desses de grave crise, acabamos por nos solidarizar com o sangue derramado em Gaza.
Por um breve momento, talvez, nos lembramos que somos os verdadeiros herdeiros de Israel. Trouxemos do Oriente Médio quase tudo o que temos hoje em termo de costumes, estilo de vida e conforto, menos a espiritualidade. E o sagrado que domina os corações naquela região é o motivo pelo qual lutam, fato que nunca há de acontecer por aqui, pois aqui, tudo é sagrado, e nada ao mesmo tempo.
Tudo é sagrado: as eleições, o carnaval, a sexta-feira da Paixão, a caminhada para Jesus com milhões de jovens, o dízimo, a lavagem das escadarias do Bonfim. Nada é sagrado, pois tudo é feriado, ou motivo de estar em mais uma manifestação social que dá às ovelhas aquela sensação gostosa de pertencer a um grupo, nada mais. É uma representação sem graça e sem vida, que às vezes é superfaturada culturalmente, num esforço insano para dizer que temos algo o que conservar. O que pode ser tão sagrado para muçulmanos, não é para judeus, nem cristãos, estes últimos, os que menos percebem a sacralidade da vida, representam os piores papéis neste espetáculo, meros espectadores, que não pagaram para entrar.
Mas há algo de mais artístico hoje, além do borrão histórico da Faixa de Gaza. Os hematomas da vida dura e calejada de loucuras se refletem na tristeza humana, provedor maior de arte e de cultura. Assim nos surgem histórias, peças e personagens que nos marcam. A vida violenta e fútil, sem qualquer sentido aparente, nos mostra dois momentos marcantes para a Sétima Arte. Na primeira, na história de James O’Barr, Brandon Lee levou um tiro fatal nas filmagens de “O Corvo”, naquela que foi, sem dúvida, sua melhor atuação. Com um sobrenome que em nada lhe favorecia como ator, Lee se retirou em grande estilo, num momento que em que a vida foi representada com sincera amargura, ele, mediano, conseguiu se superar, morrendo. No segundo momento, na história de Frank Miller, a loucura do vilão Coringa, toma conta de Health Ledger. Remédios demais, trabalho demais, violência demais, papéis esquisitos demais. O peso de tudo isso resulta no ápice de outro ator, também mediano, que se supera em sua última obra. Dois filmes adaptados de quadrinhos. Dois atores jovens. Duas atuações memoráveis. Duas mortes.
O que isso tem a ver com o Oriente Médio?
A prostituição da arte em favor da violência e da loucura. Assim é o Ocidente, assim é o Oriente Médio. Em Gaza as cenas são bem reais, atrizes e atores estão se derramando pelas ruas em nome de uma grande peça cujo autor, mal conhecem, e terão o esquecimento com recompensa. É a antítese forjada do glamour do cinema onde atores e atrizes se derramam na luxuriosa relação da fama diante dos nossos olhos maravilhados. Bem ao contrário dos artistas de Gaza, por aqui, eles morrem sem nos chocar, sob nossos aplausos.
Consumir arte, às vezes, é consumir um pouco da vida de quem a faz.