Herdeiros do Medo
Adquiri recentemente um livro antigo de Edgar Allan Poe. A edição da Abril Cultural (foto acima) é de 1978, e possui uma tradução eficiente, uma encadernação primorosa e bem acabada, e está carregada das belas histórias que o terror de Poe nos proporciona.
Além de um grande trabalho editorial, esta edição não perdeu, como em muitas outras edições nacionais de Poe, sua essência mais intelectual e muitas vezes monótona pelo detalhamento, mas que seria um crime ser deixada de lado, pois trata-se de um artista cuja obra se perpetuou e acabou por encontrar-se até na cultura pop nos últimos tempos.
Todos aqueles contos macabros, cheios de uma ficção que era inovadora na ocasião, e com um vocabulário invejável, digno de oradores dos mais honrados púlpitos da história, são na verdade a demonstração fiel de uma personalidade artística perturbada e rebelde. Destituído das vaidades inerentes à sociedade leitora da época, o autor colocou medo no papel, medo na poesia, medo nas paredes e quadros das velhas casas, medo até no amor de casais apaixonados.
O medo é o maior alimento das histórias de terror e de todas as suas crias sofredoras e cruéis. E este homem fez do medo sua razão literária de existir. E impulsionado pelo seu fracasso na vida, na profissão e no amor, Poe morreu, dizem alguns, bêbado nos becos da Filadélfia. Ou quem sabe, teve seu pescoço apertado até a morte por algum personagem louco das suas histórias.
Independente de como tenha sido sua morte, Poe se foi, para deixar-nos de herança o medo. Deste, somos todos herdeiros.